A empresa pode determinar que a manutenção de seus empregados no trabalho fique condicionada à aplicação de uma vacina contra o Covid-19?
O tema ainda é bastante polêmico, principalmente diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, que deliberou sobre a possibilidade de uma política de vacinação obrigatória à população, o que culminou em correntes de entendimento sobre a validade da dispensa do funcionário que recusar, de forma injustificada, a vacina contra o COVID-19.
No dia 17 de dezembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal, considerou a possibilidade de vacinação obrigatória na população, mas sem o uso de força, quando do julgamento das ADIs 6.586 e 6.587 e do ARE 1.267.897, fixando as seguintes teses:
“É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; (iii) seja objeto de determinação da união, estados e municípios, com base em consenso médico científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar.
(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e
i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes,
(ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes,
(iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas,
(iv) atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e
(v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente;
(II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”[1].
No entendimento do STF, em caso de recusa, o Poder Público (União, Estados e Municípios) pode impor aos cidadãos medidas restritivas previstas em lei, como multa, deixar de receber benefícios sociais, fazer matrícula em escola etc.
Diante disto, iniciou-se a discussão acerca da possibilidade da empresa, através do exercício do poder diretivo (art. 2° da CLT), exigir de seus funcionários a vacinação contra o Covid-19 e quais seriam as consequências em caso de recusa do empregado.
A primeira corrente defende a possibilidade de a empresa determinar a vacinação, sob o argumento da sua responsabilidade em manter o ambiente de trabalho saudável e seguro, com base no artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal, que disciplina como direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança“.
Além disso, fundamentam este entendimento no art. 8º da CLT, o qual determina a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais “Art. 8º. […], mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.”. (grifou-se).
Desta forma, esta corrente defende que em caso de recusa injustificada do trabalhador em tomar a vacina contra o Covid-19, poderá o empregador desligar o funcionário por justa causa (extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregador), por violar normas de segurança e saúde.
A segunda corrente, defende que a empresa não pode dispensar o trabalhador por justa causa, se houver a recusa à vacinação, com fundamento aos direitos da personalidade, que assegura a liberdade do indivíduo, prevista no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal e artigo 11 do Código Civil.
Esta corrente interpreta a decisão do Supremo Tribunal Federal afirmando que não há como se obrigar o trabalhador a vacinação, pois aduzem que a vacinação forçada foi afastada, sendo-lhe deferido a recusa, justificada ou injustificada, entretanto, na recusa haverá consequências jurídicas.
Ainda, argumentam que o Supremo Tribunal Federal admite a prática da vacinação obrigatória por medidas indiretas, apresentando um rol exemplificativo e não exaustivo, o que se inclui a restrição ao exercício de certas atividades, se houver previsão em lei ou dela decorrente.
Na linha da primeira corrente, o Ministério Público do Trabalho emitiu um guia técnico sobre a vacinação contra o Covid-19[2], que tem por objetivo orientar empresas, trabalhadores e a sociedade em geral em relação aos impactos desta nas relações de trabalho.
O entendimento do Ministério Público do Trabalho é de que cabe aos empregadores, junto com o Poder Público, cumprir o plano nacional de vacinação, e adotar as medidas necessárias para a contenção da pandemia, seja com medidas individuais ou coletivas.
Da mesma forma, destaca que o empregador deverá elaborar programas de saúde e segurança do trabalho, no qual o estudo sobre o risco biológico SARS-CoV-2 deverá ser mapeado através do PPRA, com inclusão de ações para diminuição ou contenção deste risco no PCMSO, aí incluído a vacinação contra o vírus.
Nessa linha de entendimento, considera que a recusa injustificada em tomar a vacina contra o Covid-19 é um ato faltoso, ou seja, ensejaria o desligamento por justa causa, não se admitindo como justificativa, posições particulares, convicção religiosa, política ou filosóficas.
Contudo, defende também que referida medida (desligamento) deve ser precedida de avaliação médica do empregado a fim de constatar a viabilidade da vacinação, bem como “esclarecimento do trabalhador, com fornecimento de todas as informações necessárias para a elucidação a respeito do procedimento de vacinação e das consequências jurídicas da recusa”.
Orienta ainda que, em caso de persistência da recusa injustificada, “o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, podendo ser aplicadas as sanções disciplinares, inclusive a justa causa, baseada no Art. 482, h, combinado com o art. 158, II, parágrafo único, alínea a”.
Ainda, em recentes decisões em relação a vacinação, o Plenário do Senado aprovou em fevereiro de 2021 (PL 534/2021) o projeto de lei que autoriza os estados, os municípios e o setor privado a adquirirem vacinas contra a covid-19. No texto há permissão que os compradores assumam a responsabilidade civil pela imunização, o que traz novas oportunidades para a entrada de outras variedades de vacina no país. O projeto segue para aprovação na Câmara dos Deputados.
Todavia, a respeita da vacinação ainda há muita discussão entre os operadores do direito sobre a questão, não havendo consenso sobre qual seria a conduta mais adequada, sendo importantíssimo que os órgãos do Poder Judiciário, se manifestem sobre o tema, definindo a questão, conferindo segurança e estabilidade às relações de trabalho.
Desta maneira, diante das incertezas, a empresas deverão adotar a postura mais conservadora, trabalhando amplamente na conscientização de seus funcionários acerca dos benefícios da vacinação contra o Covid-19, adequem seus laudos ambientais à legislação vigente, incluindo o estudo relacionado ao Covid-19, devendo ser avaliado individualmente os casos de recusa a vacinação. De suma importância ainda a documentação de todo esse movimento, em laudos ambientais, comunicação com os trabalhadores e procedimentos individuais com os colaboradores para o caso de fiscalizações ou ações futuras.
Sendo assim, importante estar orientado por uma equipe de advogados especializados, visando a prevenção e diminuição dos riscos que o tema gerará para as empresas.
O escritório Marcos Martins Advogados possui equipe de profissionais especialistas e capacitados para oferecer orientação jurídica às empresas para a adoção de soluções estratégicas e direcionadas.
[1] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=457462&ori=1
[2] https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf